Elementar, meu caro Watson
Ao longo de seus 105 anos de história, a americana IBM se reinventou diversas vezes. Em 1911, ela começou como uma empresa de cartões perfurados, utilizados no censo demográfico americano, passando por relógios, máquinas de escrever e, finalmente, computadores.
Com as grandes máquinas, batizadas de mainframes, ela construiu um império que começou a ruir na década de 1990, quando a computação pessoal tomou de assalto o mundo corporativo e levou a Microsoft, de Bill Gates, ao Olimpo da inovação. Foi nessa época que o executivo Louis V. Gerstner Jr., que trabalhava na empresa de biscoitos Nabisco, foi escolhido para ser o primeiro forasteiro a comandar a IBM.
Na sua gestão, ele transformou a Big Blue, como é informalmente conhecida, em uma companhia de serviços tecnológicos, recuperando a vitalidade e o desempenho dos velhos tempos. Quando se aposentou, em 2002, escreveu o livro “Quem disse que os elefantes não dançam?”, que contava a reviravolta que provocou na IBM.
A IBM, agora, se vê mais uma vez em um momento em que precisa se reinventar. Nos últimos 18 trimestres consecutivos, sua receita encolheu, quando comparada com o mesmo período do ano anterior. A Big Blue, agora, enfrenta dificuldade para competir com companhias mais leves na área de computação em nuvem, como a Amazon.
Com isso, suas ações desvalorizaram-se 11,4% e 12,4%, em 2015 e 2014, respectivamente. Neste ano, recuperaram parte da queda e sobem 14,6%. O valor de mercado de US$ 145,8 bilhões a deixa bem longe de Apple, Google, Amazon e Facebook, as preferidas de Wall Street no setor de tecnologia.
Como sair dessa situação? A resposta tem um sobrenome que é bem conhecido nos corredores da Big Blue em todos os cantos do planeta: Watson, a plataforma de inteligência artificial que funciona no modelo de computação em nuvem.
Não se trata de uma referência ao grande amigo do detetive Sherlock Holmes, personagem criado pelo escritor britânico Arthur Conan Doyle. O nome é uma homenagem a Thomas John Watson, o fundador da empresa. “Ele muda tudo”, afirmou Marcelo Porto, presidente da IBM, em entrevista exclusiva à DINHEIRO.
Não é exagero de Porto. No terceiro trimestre de 2016, o segmento de soluções cognitivas, onde está o Watson, obteve uma receita de US$ 4,2 bilhões. O resultado representa 22% do faturamento total da IBM no período. É um desempenho e tanto. Afinal, a plataforma de inteligência artificial da IBM tem menos de uma década de vida.
O Watson ficou mundialmente famoso ao vencer, em 2011, o Jeopardy!, um popular jogo de perguntas e respostas da televisão americana. Na ocasião, bateu os dois maiores vencedores do programa. A partir daí, sua trajetória foi meteórica.
Desde 2010, a IBM já investiu mais de US$ 15 bilhões na área de soluções cognitivas, incluindo cerca de US$ 7 bilhões em mais de 20 aquisições. “A IBM está se movendo da terceirização global para as ferramentas de análise”, diz Bob Sternfels, segundo homem da hierarquia global da consultoria americana McKinsey. “Há grande potencial nisso. As máquinas que aprendem estão tornando os computadores autônomos e eles poderão mudar diversos setores.”
O empenho da IBM parece estar dando resultado. A CEO global da IBM, a executiva Ginni Rometty, previu que o Watson está a caminho de ser usado por 1 bilhão de pessoas no fim de 2017. “Nossa meta é ampliar a inteligência humana”, disse Ginni, durante a abertura do World of Watson, evento que ocorreu em Las Vegas, nos Estados Unidos, na semana passada, quando anunciou uma parceria com GM.
Com a ajuda do Watson, a plataforma OnStar, que equipa os carros da GM, vai entregar um conteúdo personalizado através do painel central. O motorista poderá evitar tráfego quando está com pouco combustível, fazer o pedido de um café quando está à caminho ou obter notícias e entretenimento no veículo adaptados à sua personalidade e à sua localização.
A meta da IBM é também aumentar suas receitas ao jogar suas fichas naquilo que tem tudo para ser a próxima grande fonte de riqueza no setor de tecnologia. De acordo com Ginni, o mercado de computação cognitiva deverá representar mais de US$ 2 trilhões, por volta de 2025. Em uma estimativa muito mais conservadora do que a da CEO da IBM, o Bank of America Merrill Lynch estima que essas tecnologias devem movimentar US$ 70 bilhões em 2020.
O Watson, da IBM, é a mais avançada plataforma de inteligência artificial do mercado”, afirma Beijia Ma, uma das responsáveis pelo estudo. “Ela também é uma das pioneiras ao levar essa tecnologia para o mercado de saúde.”
O impacto do Watson, no entanto, não se restringe a poucos setores.
Não existe um ramo sequer que não será transformado por esta tecnologia”, diz Mike Rhodin, vice-presidente de desenvolvimento de negócios para IBM Watson.
Segundo ele, o sistema está se expandindo em uma grande variedade de áreas, como finanças, direito e varejo. Mas os setores de saúde e educação ganharam um apreço especial da IBM. Em 2015, por exemplo, a IBM criou o Watson Health, uma divisão específica para focar em saúde. Além de estudos sobre o câncer, o sistema atua no combate a diabetes e no sequenciamento genético.
No mesmo ano, a Big Blue lançou um brinquedo cognitivo chamado Dino com uma proposta educacional. Ele é um dinossauro T-Rex que, conectado a uma rede Wi-Fi, acessa o banco de dados do Watson e conversa com as crianças, contribuindo no processo de aprendizagem.
O importante é que ele consegue ajudar a fazer o dever de casa conversando no nível daquela criança”, diz Patrícia Fusaro, que é líder de soluções cognitivas na IBM Brasil. O sistema, diz Patrícia, estará em breve no País.
A grande ambição da IBM é levar a computação cognitiva para dentro das empresas, o seu habitat natural. Da mesma forma que Amazon, Google e Facebook travam uma batalha para conquistar a preferência dos consumidores pelas suas soluções de inteligência artificial, a Big Blue briga para popularizar a sua plataforma nos corações e mentes dos executivos engravatados. E ela vem conseguindo.
O Brasil lidera a adoção de computação cognitiva na América Latina”, diz Rhodin.
Por aqui, Bradesco, Banco do Brasil, Sky e Fleury são algumas das empresas que adotaram o Watson – há muitas outras, mas contratos de confidencialidade impedem que seus nomes sejam divulgados. O Bradesco é o caso mais avançado. Além de utilizar o Watson em seu call center, o banco criou um sistema de consulta para os seus gerentes.
No dia 21 de outubro, a plataforma foi ativada em todas as 5.650 agências da instituição no País. O Watson ajuda a responder mais de 200 mil perguntas sobre 59 produtos e serviços do Bradesco. Em 2017, a expectativa é que o sistema possa ser acessado também pelos seus clientes.
O Banco do Brasil iniciou em maio um projeto-piloto com o Watson. O sistema serve como assistente pessoal dos clientes com renda a partir de R$ 8 mil ou investimentos a partir de R$ 100 mil. Nessa fase, a plataforma da IBM responde perguntas sobre conta corrente e produtos financeiros, como financiamento de veículos.
O teste, neste momento, está sendo feito com apenas 500 clientes e funcionários.
Estamos em vias de abrir isso para todos os clientes private banking nos próximos 60 dias, afirma Geraldo Dezena, vice-presidente de tecnologia do Banco do Brasil.
Há três meses, a Sky entrou também para o clube do Watson no Brasil e começou a utilizar o sistema para o seu centro de operações de banda larga. A plataforma da IBM foi adaptada em um painel de controle, desenvolvido pela brasileira Ícaro Tech, que pode ser acessado em desktop, tablet ou celular.
A empresa de tevê por assinatura via satélite, que possui mais de 300 mil assinantes de banda larga em 24 Estados, consegue receber do Watson uma análise rápida sobre mais de um milhão de alertas gerados pela rede. “O Watson vê o que é importante para manter a qualidade da nossa rede”, diz Fernando Otani, diretor de banda larga da Sky. No futuro, o sistema poderá ser usado no contato direto com o consumidor.
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O mais recente integrante do time do Watson no Brasil é o laboratório Fleury. O objetivo da empresa de medicina diagnóstica é estudar transformações de genes ocasionadas por câncer e outras doenças.
Ele vai ajudar a direcionar a análise das mutações encontradas no sequenciamento genético com dados de literatura e de banco de dados para que possamos fazer análise especifica de alterações em tumores, diz Jeane Tsutsui, diretora executiva médica e técnica do Grupo Fleury.
O líder do Watson Health da IBM Brasil, Eduardo Cipriani, explica que o sistema permite que o médico consiga trabalhar com grande quantidade de informação, com base na evidência médica científica e possa sugerir insights valiosos para realizar medicina de precisão.
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A plataforma lê mais de 40 milhões de artigos em segundos”, diz Cipriani.
Por esse motivo, há quem acredite que, no futuro, todas as decisões críticas serão realizadas com a ajuda de sistemas cognitivos, como o Watson. Não seria mais necessário o cérebro de um detetive astuto como o de Sherlock Holmes para resolver os mais intricados casos policiais ou até mesmo científicos. Todos eles seriam elementares à “mente” da plataforma Watson.
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Istoé Dinheiro