Antifragilidade: agente essencial para a Transformação Digital

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Antifragilidade: agente essencial para a Transformação Digital

Nos últimos meses, empresas e pessoas foram postas à prova em um cenário que mudou nossa forma de encarar o mundo. A pandemia foi um estressor que demandou mudanças e adaptações, situação que ainda desafia o planejamento dos negócios para 2021.

Muitas empresas buscam adotar ações e medidas para aumentar sua resiliência e, embora a estratégia de maior robustez sem dúvida seja importante, o mercado exige mais: adaptar-se e evoluir, principalmente em situações de crise.

Negócios que estavam mais preparados para as incertezas oriundas do COVID-19 e que foram capazes de adotar as medidas certas no timing correto, não só passaram pela tempestade mas também usufruíram da volatilidade para atingir resultados de sucesso.

Fica mais fácil observar esta dinâmica de antifragilidade frente a situações extremas e impositoras - obviamente ninguém esperava com clareza todos os impactos e consequências da pandemia mas todos tiveram que lidar com ela.

O curioso é que o espectro de fragilidade - antifragilidade, como essência da evolução, sempre está em provação contínua, inclusive em cenários mais amenos mas que passam despercebidos pelas corporações, abaixo do radar dos executivos e líderes, mas que somam-se ao longo do tempo gerando, inevitavelmente, o questionamento: "por que não percebemos isso antes?"

Sobre incertezas e antifragilidade

Nossa cultura dita a constante busca pela previsibilidade - buscamos planejamento, evitamos o duvidoso, queremos reduzir riscos, queremos estar em controle. Sem dúvida é essencial algum nível de controle e previsibilidade, porém o fato é que no mundo real, com tantas variáveis e possibilidades, é impossível predizer com certeza boa parte do que trará o futuro.

Aliás, conforme demonstrado por Daniel Kahneman em seu livro 'Rápido e Devagar: duas formas de pensar', este exercício de previsibilidade é uma grande armadilha na vasta maioria das análises por nossa característica humana e modo de pensar.

A antifragilidade ganhou notoriedade com o estatístico e estudioso Nassim Nicholas Taleb em seu livro 'Antifrágil', no qual sugere que o frágil é como uma taça de cristal: quebra com facilidade, evita a aleatoriedade, teme a incerteza. O resiliente (robusto) resiste a impactos e imprevistos (o que, convenhamos, já é ótimo) porém não se beneficia com eles. O antifrágil evolui, adaptando-se frente a incertezas e volatilidade.

Fragilidade implica mais em perder do que ganhar em situações de estresse. Em outras palavras, há mais desvantagem que vantagem (assimetria desfavorável). Antifragilidade implica mais em ganhar do que em perder (assimetria favorável). E os robustos estão no meio termo, ganha-se e se perde de maneira igual.

Taleb cita que "A natureza constrói coisas antifrágeis. No caso da evolução, a natureza usa a desordem para se fortalecer". Foram centenas de milhares de anos durante a evolução da vida na terra, em um processo de tentativas, erros, adaptações e evoluções. A antifragilidade é o que desperta, reage e se sobrecompensa diante de agentes estressores e de danos oriundos da volatilidade do mundo.

A antifragilidade é o que desperta, reage e se sobre compensa diante de agentes estressores e de danos oriundos da volatilidade do mundo.

O impacto nas estratégias das empresas

No mundo corporativo, a pandemia representou um gigantesco estressor que escancarou o nível de fragilidade (ou antifragilidade) das empresas - todos puderam ter uma visão clara de suas respectivas estratégias com base nos resultados obtidos (alguns inclusive consideram a COVID-19 como o Cisne Negro, porém tenho lá minhas dúvidas, conforme argumenta meu colega Guilherme Rangel em um de seus artigos).

Desnecessário apontar que empresas que já haviam adotado essa postura se alavancaram com a volatilidade do momento - fizeram caipirinha com o limão. Em resumo, boa parte certamente já operava com características antifrágeis. Para fins de comparação, um grande estressor ajuda a visualizar com clareza nossas fragilidades. A reflexão é ponderar o impacto em situações 'normais' (ou seja, nas quais não há imposição categórica de um grande estressor).

Uma pesquisa recente da Boston Consulting Group indica que cerca de 70% das iniciativas de transformação digital falham em alcançar seus objetivos. Interessante notar que diversos problemas encontrados durante a execução da transformação estão relacionados diretamente com características fragilistas como inércia organizacional, barreiras culturais, tecnologias defasadas e mindset arcaico.

Uma postura antifrágil não significa perder controle, não descarta realizar planejamentos, criar estratégias e orçamentos, realizar análises de SWOT, etc - mas sim incluir uma dinâmica essencial de lidar com a incerteza: é impossível prever a maior parte das ocorrências (boas e ruins). Portanto considerar mecanismos antifrágeis fazem todo sentido: prever necessidades, descentralizar controle, pulverizar tomadas de decisão, mensurar iniciativas (bússola de erros e acertos), testar logo, falhar cedo (falhar 'pequeno', contingenciado) e aprender muito rápido para corrigir rotas.

Estratégia integrada, decisões descentralizadas, metas mensuráveis

Uma estratégia integrada fim-a-fim garante a conectividade das diretrizes macro de negócio com todas as ramificações e ações hierárquicas da empresa. Métricas & KPIs também devem se beneficiar desta rede integrada: metas de negócio são sustentadas por métricas de diferentes níveis organizacionais, uma rede de mensuração ágil e eficiente, viabilizando realizar adaptações quando necessário (sem perder de vista os objetivos principais).

Este conduite também valoriza e energiza o senso de propósito e cultura da organização: as pessoas e equipes têm visibilidade do desdobramento dos resultados de suas atividades. Isso beneficia (e mitiga riscos) na descentralização da tomada de decisão dado que é possível identificar anomalias (e oportunidades!) de forma ágil.

O princípio funcional: investir em uma cultura integrada de mensuração e adaptação contínua, uma equipe com foco em resolução de problemas.

Mentalidade Ágil e Essencialista

O tópico anterior provê um alicerce para agilidade de tomada de decisões frente a resultados medidos em diferentes níveis. Timing é pré-requisito para decisões assertivas: ajustes de priorizações, mudanças, adaptações. A morosidade (latência, processos burocráticos) impõe riscos em toda cadeia de execução: experimentações, testes, validações, time-to-market. Mindset ágil é quase unanimidade quando se fala de digitalização.

O desdobramento da estratégia definirá um backlog de atividades em toda a estrutura, que deverá exercitar um ciclo de melhoria contínua com ações oriundas de mensurações e (re)priorização. É aqui que uma postura essencialista faz a diferença.

Em seu livro 'Essencialismo', Greg Mckeown sugere um método para identificar o que é vital e eliminar todo o resto. A ideia é que a maioria dos itens não são essenciais - o que realmente faz a diferença são poucos pontos específicos.

Uma denominação parecida é a 'via negativa' sugerida por Taleb: melhor que agir em excesso (tentando cobrir tudo) é remover o que achamos que é errado - adicionar subtraindo (e de sobra gastando menos, reduzindo custo).

Melhor que agir em excesso é remover o que achamos que é errado - adicionar subtraindo

As pessoas acham que foco significa dizer 'sim' para a coisa em que você precisa focar. Mas isso nada tem a ver com foco. Foco significa dizer 'não' para as centenas de outras boas ideias que existem. Steve Jobs

Mas, a sofisticação através da simplicidade (foco) é mais difícil de se alcançar do que se pode desejar. O pensamento essencialista (de via negativa) nos apoia nesta seleção.

Sobre execução e projetos monolíticos

A operacionalização da estratégia definida faz toda diferença. É notável o quanto ainda nos deparamos com projetos do tipo monolítico : uma única grande frente de trabalho, de enorme complexidade, com centenas de requisitos, envolto numa teia de relacionamentos e dependências, envolvendo diversas áreas, fornecedores e parceiros, cuja descrição encontra-se em um documento de +100 páginas, numa tentativa de prever e definir todos aspectos necessários para sua implementação ao longo dos próximos meses.

Bent Flyvbjerg, professor de Oxford e especialista em gestão realizou diversas pesquisas em características antifrágeis dos monólitos, em especial referente a 1. magnitude/tamanho da empreitada e 2. capacidade de previsibilidade limitada frente às incertezas [aqui e aqui].

Reflita um momento: na sua experiência, quantos destes mega projetos obtiveram sucesso?

Para não depender de experiências prévias particulares, Flyvbjerg utilizou o método chamado Reference class forecasting (por Daniel Kahneman) que consiste em tentar prever um o resultado de um evento comparando com eventos passados de características e atributos similares.

Interessante notar que algumas contramedidas citadas por Flyvbjerg no casos de sucesso foram: quebrar um problema (projeto) grande em módulos menores, manter foco nos principais aspectos, capacidade de medir e ter um time especialista.

O uso assertivo da Tecnologia e Metodologia

Não é de se espantar que o leitor com conhecimentos e experiência em metodologias de TI como agile e devops (e tendências como microsserviços e cloud) possa ter pensado:

Isso cai como uma luva no quesito de antifragilidade!

No universo de tecnologia de informação, os perímetros de desenvolvimento e infraestrutura adotaram características que atendem quesitos chave como velocidade de implementação, flexibilidade para lidar com volatilidade, redução de complexidade, interoperabilidade, resiliência e robustez, aprendizado contínuo e insights de inovação através da mensuração (vide sobre a relação entre devops e inovação).

Inclusive, todas essas tecnologias e metodologias nasceram na prática, frente a necessidades de melhor suportar o negócio, através de estressores que esculpiram os alicerces de soluções/sistemas que atendem suas demandas altamente voláteis.

Alguns meses após início da COVID-19, 55% das empresas sinalizaram planos para aumentar uso da metodologia ágil nos próximos 12-24 meses (follow-up survey - 14th State of Agile report).

A tecnologia sozinha não garante o sucesso de um processo de transformação digital mas certamente é um dos fatores chave para viabilizá-lo.

Tempo de mudar

Grandes estressores alavancam (demandam) mudanças que normalmente não iriam ocorrer. Em cenários amenos, com menos entropia, a tendência é voltamos ao modus operandi padrão. A ilusão da previsibilidade é uma zona de conforto nos negócios e na vida pessoal - de maneira sorrateira vai se instalando gerando falsa sensação de segurança e controle. Definir uma estratégia que lide com incerteza permite segmentar e escrutinar cenários de ameaça e oportunidade, tirando o melhor de ambos os casos. O grande desafio é o fator humano.

Há uma limitação desconcertante de nossa mente: nossa confiança excessiva no que acreditamos saber, e nossa aparente incapacidade de admitir a verdadeira extensão da nossa ignorância e a incerteza do mundo em que vivemos.  - Daniel Kahneman


Gabriel Araujo
Head of Customer Success

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