Gabriel AraujoHead of Customer Success
Augmented Decision-Making: decisões inteligentes nas empresas
processo de tomada de decisão (Augmented Decision-Making) consiste, resumidamente, em avaliar um subconjunto de cenários baseado nas informações disponíveis e tentar escolher a melhor opção. Fazemos escolhas centenas de vezes ao longo do dia, em diferentes circunstâncias, no âmbito pessoal e profissional.
Em alguns casos, o processo de decisão dura apenas milissegundos, são quase instantâneas. Outros demandam maior reflexão e ponderação: obter informações, interagir com pessoas, fazer cálculos, relembrar situações semelhantes que já ocorreram.
No contexto corporativo, o conjunto de milhares de decisões de toda a estrutura e pessoas da empresa refletem invariavelmente em resultados - bons e ruins. É mais tangível imaginar o impacto de uma decisão de um alto executivo - uma nova aquisição, fechar um negócio, se desfazer de uma parceria.
Mas é também interessante imaginar o impacto das diversas decisões que estão pulverizadas em todos os níveis da organização. Apesar de individualmente (na maior parte dos casos) terem um peso menor, na prática, a soma delas tem forte impacto na eficiência operacional e qualidade percebida pelos clientes.
"O aspecto surpreendente é o fato de que (todos
nós), em diversas ocasiões, cometemos erros
básicos durante o processo de julgamento e
tomada de uma decisão e sequer temos ideia."
Esse fato reforça a reflexão sobre a somatória de decisões equivocadas, que se acumulam gradualmente ao longo do tempo, invisíveis aos radares da percepção. Qual impacto para os negócios quando nossa equipe precisa realizar milhares de pequenas decisões ao longo do dia? Como potencializar e empoderar nosso time para aumentar a taxa de acertos?
Leia também: Human Augmentation: o que é e por que prestar atenção
Uma reflexão sobre o processo de tomada de decisão
Examine o problema abaixo:
Um bastão e uma bola custam R$1,10. O bastão custa um real a mais que a bola. Quanto custa a bola?
Se o número que veio à sua mente foi 10 centavos, saiba que: 1-) a resposta está incorreta, mas 2-) é a opção da grande maioria das pessoas - intuitiva, atraente, porém incorreta.
A resposta correta é 5 centavos. Com calma, examine o problema e faça as contas. O clássico caso acima é citado no excelente livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar de Daniel Kahneman, psicólogo e ganhador do Nobel de Ciências Econômicas de 2002, que dedicou sua carreira ao estudo do processo de julgamento e tomada de decisão.
Daniel e seus colegas trazem uma simplificação/abstração de cunho didático que nos permite entender melhor as incongruências no resultado de algumas de nossas decisões: Nosso processo decisório é composto de 2 sistemas:
- Sistema 1. opera rapidamente, de forma automática, intuitiva, com pouco esforço. É composto de nossas experiências, a essência de eventos passados, vieses, crenças. É ele o responsável por detectarmos imediatamente que estamos em apuros ao se deparar com um rosto de descontentamento de nossa mãe.
- Sistema 2. é mais controlado, devagar e analítico. Responsável por executar atividades mentais de maior complexidade, como fazer contas (Quanto é 24 x 58? Não tão fácil como reconhecer a cara furiosa de uma mãe). Ele demanda mais concentração, esforço e, portanto, mais energia. Quando estamos no carro procurando por um local específico e abaixamos o volume da música, estamos pedindo ajuda ao sistema 2.

Os sistemas 1 e 2 operam como uma dupla. Na maioria das vezes, quem está no controle é o sistema 1, portanto o padrão é deixá-lo a cargo da decisão/julgamento. Do ponto de vista de evolução, além da economia de energia, este mecanismo de sintetizar e agilizar a decisão foi essencial para nosso sucesso como espécie: ao se deparar com um felino de grande porte desconhecido, não precisamos invocar o sistema 2 e ponderar as consequências do que fazer - o sistema 1 se encarrega de nos fazer dar no pé.
É esse modus operandi que nos faz responder prontamente que a bola custa 10 centavos - o sabichão sistema 1 achou que tinha a resposta na ponta da língua.
Vejamos outro dilema interessante:
“Steve é muito tímido e retraído, invariavelmente prestativo, mas com pouco interesse nas pessoas ou no mundo real. De índole dócil e organizada, tem necessidade de ordem e estrutura, e uma paixão pelo detalhe”.
Há maior probabilidade de Steve ser um bibliotecário ou um fazendeiro?
O sistema 1 quase explode ao gritar “bibliotecário!”. É elementar: tímido, retraído, organizado, paixão por detalhes - todas características do estereótipo que temos de um bibliotecário (resposta chancelada pelo sistema 2 que, preguiçoso, teve indícios suficientes para dar seu aval).
E se além da descrição acima, logo abaixo também nos fosse dado o seguinte dado:
“A proporção entre bibliotecários vs fazendeiros no mundo é de 1 para 5000.”
Nossa avaliação sobre a probabilidade muda drasticamente: o apressado sistema 1 agora reflete, pondera junto ao sistema 2 e ambos concordam que existem muito mais fazendeiros do que bibliotecários, e que isso provavelmente tem um peso maior sobre o estereótipo (viés) de um bibliotecário (imposto talvez pelos filmes que assistimos), o que muda nossa resposta.
Este é um problema crítico com sistema 1:
ele não é muito apto a pensar em questões
de probabilidade e estatística (a não ser
que explicitamente citados)
Como se vê com o exemplo acima, o sistema 1 foca em evidências explícitas, porém se esquece de considerar as demais ausentes (questionar-se se há algo mais que deveria ser ponderado na análise). Além disso, o sistema 1 exagera na consistência emocional (efeito Halo), substitui questões complexas por versões mais simples (heurísticas), adora uma bela história e dá peso excessivo a probabilidades baixas. Aliás, isso o torna um alvo perfeito para campanhas de marketing.
Retornando para o cerne da discussão original: no ambiente corporativo, imagine milhares de decisões sendo tomadas, geralmente no contexto de restrições de tempo, pressão, falta de organização e, em especial, falta de informação.
Aperfeiçoando o processo de decisão nas empresas
Algumas áreas dentro de uma empresa lidam com um enorme volume de atividades. Por exemplo, áreas de operação: atendem potencialmente centenas de clientes ao longo do dia, precisam resolver com agilidade problemas e falhas de natureza e complexidade diversas (em modelo 24 x 7 x 365!), e tentam otimizar da melhor forma possível a distribuição das suas diversas equipes.
Necessitam tomar decisões sobre uma avalanche de temas - seja uma quantidade grande de tickets enfileirados ou clientes aguardando uma resolução para seu problema - e tudo isso em um contexto que demanda agilidade e acuracidade.
Vejamos o desafio de um Centro de Operações de Redes (NOC) de Telecom, cuja responsabilidade é monitorar e resolver falhas que ocorrem na (complexa e vasta) infraestrutura que nos permite fazer ligações via celular, trocar mensagens, ter acesso à Internet, etc.
A missão crítica desta equipe é manter disponibilidade e níveis de serviço - como usuários, queremos um bom sinal e boa velocidade de internet. Cada operador do NOC é responsável por tratar, diagnosticar e tentar resolver diversas falhas que ocorrem diariamente - e os SLAs e tempo de resolução são críticos.
Imagine o cenário fictício: você (no papel de operador) recebe a notificação de 2 falhas críticas de sites indisponíveis (o que significa que há clientes potencialmente sem sinal celular por que uma torre e suas antenas não estão funcionando):
- Falha crítica de site fora na cidade de Uberaba;
- Falha crítica de site fora na cidade de São Paulo;
Qual das falhas você priorizaria?
O exemplo nos remete ao dilema do bibliotecário/fazendeiro. Imediatamente nos vem à mente o tamanho da cidade de São Paulo: sua densidade populacional, arranha-céus, negócios importantes acontecendo - o sistema 1 realiza a comparação utilizando insumos pré-chancelados pelo sistema 2.
Agora vejamos um cenário com mais insumos disponíveis:
- Falha crítica de site indisponível na cidade de São Paulo, região de Itaim, redundância ativa, baixo impacto/poucos clientes afetados;
- Falha crítica de site indisponível na cidade de Uberaba, região do centro, sem redundância, alto impacto, grande número de clientes (3 clientes B2B VIPs - SLA premium);
Do ponto de vista técnico, a falha pode ser da mesma natureza (o equipamento pode ser do mesmo modelo), porém os detalhes de impacto (quantidade de usuários afetados, receita, multas, existência de redundância etc.) inserem novos atributos para nossa tomada de decisão. Vários desses atributos são específicos do negócio e podem ter peso diferente, portanto há uma variabilidade dinâmica, mesmo em empresas do mesmo setor.
O exemplo acima, apesar de ser uma simplificação, traz à tona a importância de buscar informações úteis e relevantes para avaliação mais precisa possível. Muitas empresas tentam contornar e mitigar essa situação com soluções pouco efetivas e de baixa escalabilidade (sem entrar no mérito de custos e impacto na experiência do cliente).
Para alcançar esse nível de maturidade tecnológica, é preciso investir em um ecossistema de automações inteligentes, que farão a orquestração e integração de toda infraestrutura e sistemas corporativos, transformando dados em informação útil, trazendo recomendações e disponibilizando ações automatizadas.
Essa plataforma não substitui o componente humano: além de automatizar tarefas repetitivas/usuais, ele funciona como um amplificador de julgamento, empoderando o sistema 1 e 2, eliminando vieses e ‘achismos’.
Sobre HyperAutomation e Human Augmentation
O termo HyperAutomation é uma das principais tendências disruptivas para os próximos anos e seu posicionamento é simples e direto:
Tudo que pode ser automatizado
deve ser automatizado. Para todo
o resto devemos empoderar pessoas
para tomarem a melhor decisão.
No contexto de operações de rede citado acima, uma horda de automações é responsável por diagnosticar e resolver a maior quantidade possível de problemas de maneira autônoma (porém supervisionada através de métricas e indicadores). Tipicamente essa natureza de problemas é de menor complexidade, porém com volumetria maior. Isso faz com que os operadores precisem analisar uma quantidade muito reduzida de casos, utilizando sistemas de apoio à decisão para melhores resultados.
O benefício tangível de maximizar melhores resultados através de escolhas inteligentes no contexto corporativo é a eficiência operacional: reduzir custos. Mas na outra ponta existe outra pérola: aperfeiçoar a experiência do usuário.
Como consumidores, já nos beneficiamos de automações e sistemas de apoio à decisão há alguns anos - eles foram fatores chave para moldar nossas expectativas de consumo (quando, por exemplo, usamos um aplicativo para sugerir a melhor rota e estimar quanto tempo levaremos para chegar a um determinado local).
Almejamos simplicidade, apreciamos recomendações inteligentes, adoramos automações que nos economizam tempo.
Vamos imaginar um novo cenário no Atendimento a Clientes:
“Arthur, que trabalha na equipe de atendimento a clientes, inicia uma conversa com um cliente nitidamente irritado pois um serviço contratado não está funcionando. Este reclama que é forçado a, mais uma vez, repetir informações (como número do cliente, CPF) e explicar detalhes sobre o problema.
Enquanto Arthur tenta pacientemente acalmar o cliente, navega entre 4 telas diferentes tentando obter insumos sobre a situação, seguindo scripts de atendimento para melhor decidir o próximo passo. Seu silêncio devido à concentração é interpretado como descaso.
Algumas ações são sugeridas, porém todas falham ou já foram tentadas e não resolveram. Quando finalmente acredita ter um caminho viável o cliente solicita falar com o gerente. Arthur tenta dissuadi-lo (foi orientado várias vezes a evitar essa rota), porém sem sucesso.
Ele olha para sua fila de atendimento e existem mais 6 clientes em espera. Arthur está frustrado, o cliente está frustrado (e em breve o gerente também estará).”
Vamos inserir neste cenário uma plataforma omnichannel que centraliza informações & automações:
“Arthur recebe uma notificação em seu dashboard inteligente sobre um novo atendimento. Informações centralizadas sobre o cliente são apresentadas em sua tela (contato, localização, idade, tipo de serviço etc.) e um breve resumo das últimas 4 interações (2 via website self-service,1 por email, 1 via chatbot), incluindo perguntas/diagnósticos já realizados. Enquanto analisa as informações, aciona uma automação (um botão em seu dashboard) que informa um possível erro de provisionamento no serviço deste cliente.
Na primeira frase desta nova iteração, Arthur sinaliza ao cliente sobre seu conhecimento e contexto a respeito do problema reportado e que acredita já ter uma possível solução. Arthur ativa uma rotina de problema conhecido acionando a equipe técnica responsável, repassando diagnósticos e dados que comprovam a causa raiz.
Sabendo que este tipo de falha também é tratada por automações da área técnica, Arthur informa o cliente que seu problema será resolvido dentro de 5 minutos. O cliente questiona sobre o prazo e Arthur reforça que será enviada uma notificação de restabelecimento que pode ser contestada. O cliente agradece e o atendimento é finalizado.”
Como operacionalizar ?
O primeiro passo é entender que trata-se de um roadmap orientado por ciclos de melhoria contínua e mensuração constante. O lado positivo é que pode-se obter um retorno em poucos meses (quick wins) para suportar seu case: isso porque boa parte consiste em automatizar tarefas corriqueiras/simples e orquestrar/organizar dados que sua empresa já possui em informação inteligente, viabilizando acesso simplificado para a equipe em questão.
Inclusive, esta primeira etapa não demanda tecnologias complexas (como modelos de machine learning), o diferencial consiste em mapear e identificar casos de uso que contenham um bom custo benefício (viabilidade/esforço vs retorno para equipe/cliente).
Algumas das dificuldades comprovadas na tentativa de operacionalizar são:
- Buy-in: o modelo ideal para um roadmap (incremental, baseado em mindset ágil, metodologias agile & devops) ainda tem certa resistência em algumas empresas (mais sobre este tópico neste artigo);
- Mapeamento e implementação de casos de uso: todo processo de mapear o estado atual, identificar GAPs, avaliar esforço, testar rápido, errar contingenciado, criar um plano de ação consistente;
- Mensuração constante: todo caso de uso deve ter métricas e KPIs bem definidos e mensuráveis para que se possa acompanhar e avaliar se estamos chegando lá. Um processo de feedback de usuários internos também é essencial;
- Ciclo de melhoria contínua: criação de MPVs/pilotos, entrada em produção contingenciada (com um grupo menor de uso), boa governança e gestão de backlog de mudanças / novas funcionalidades, sustentação & telemetria para garantir disponibilidade (imagina deixar de repente toda equipe de operação sem esses sistemas de apoio à decisão );
- Percorrer a curva de maturidade: tentar pular etapas (impulsionado pela ansiedade de obter resultados) são grandes ofensores e podem gerar descrédito ao esbarrar em falhas e dificuldades (por isso mirar em quick wins é essencial para combustível de credibilidade na iniciativa);
Não perca tempo: comece rápido !
Lembre-se que no processo de formulação de julgamentos e decisões o acesso a informações estruturadas (muitas delas determinísticas: sobre o ticket, sobre o cliente, histórico, contexto, etc) já é grande diferencial para eliminarmos boa parte de vieses e ruído (nossos sistemas 1 e 2 evitam armadilhas!).
Sistemas de Apoio à tomada de decisão (Augmented Decision Making) é um nome genérico que se aplica a diferentes áreas e sabores tecnológicos - o foco é usar melhor o tempo das pessoas e acertar nos resultados!
Nota final:
Curiosamente, enquanto escrevia este texto li a notícia do novo livro do autor Daniel Kahneman “Noise: A Flaw in Human Judgment” (Ruído: uma falha no julgamento humano, ainda sem tradução no Brasil) que aos 87 anos contribuí novamente com o tema.
Pesquisas citadas por ele mostraram que desenvolvedores de software solicitados em dois dias separados a estimar o tempo de conclusão de uma determinada tarefa deram respostas em média 71% diferentes, patologistas que avaliaram a gravidade dos resultados de uma biópsia a classificaram com bastante imprecisão (0,6, num máximo de 1) e funcionários de uma grande seguradora, instados a analisar um mesmo cliente, forneceram avaliações de risco que variavam em até 55%.
Kahneman reforça:
“A qualidade dos julgamentos profissionais têm um
impacto enorme e duradouro em todas as nossas vidas:
na seleção de um candidato, nas avaliações
de desempenho ou nas sentenças de um juiz”
p.s - morei vários anos em Uberaba 🙂
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